Um Jantar Aconchegante

Coloco as mãos ao bolso da jaqueta e caminho com o grupo pelo local.

Olho a volta, mapeando.

Entendo agora quem preferiu ir em outro lugar.

Que porra de cidade é esta? Vale o melhor emprego do mundo trocar as ruas de Nova York por isto?

Não dá pra ver ninguém em porra de lugar nenhum, obviamente se víssemos três cabeças num corpo sairíamos correndo.

Chegamos ao local, e o grupo entra, eu fico um pouco na porta.

Cheiro é o caminho mais fácil sensorial para nos jogar em lembranças.

Eu sou arrastada de tal forma, que mal consigo me mover.

Sem dúvida o melhor lugar que já estive há anos.

Vou comer todo dia aqui, foda-se quem morre.

Após algum tempo entro ao local, deixando meus olhos vagarem pelas paredes, pelos cartazes.

E então caminho rumo a mesa que nos foi destinada, sento-me ao lado de Charlie.

Porque ainda não sei qual é a dela, e preciso estudar as pessoas. E se ela morrer amanhã, já vou saber que Lynx não gosta de gente que pergunta.

- Eu aceito o café.

Hora de ouvir e não falar nada, Mikaela, se segura, que eles vão abrir a boca e você vai coletar informações.

E eu preciso.

Porque to mais perdida que cego em dia de tiroteio.

Ainda não consegui concluir nada e continuo desconfiando de todos.

Que cheiro maravilhoso! Sinto-me como aqueles personagens de desenhos animados que seguem o aroma flutuando até a comida, sabe?

Com um sorriso no rosto, vejo Nora e percebo que acertei em seguir o conselho. - Boa noite, Nora! Me chamo Izzy, prazer em conhecê-la. Sua amiga recomendou o seu restaurante e não poderia estar mais satisfeita! - respondo em um tom amigável, mas um pouco mais baixo do que o normal, tímida.

Sigo o grupo em direção à mesa, ansiosa pelo que está por vir. Não sou muito exigente em relação ao local, então fico com o que estiver disponível - Gostaria de um suco de laranja com bastante gelo, por favor - peço assim que Nora me dá a deixa.

Observo a decoração do ambiente e as pessoas, sempre com um olhar curioso e tentando ser discreta. Também presto atenção ao podcast, como sempre.

“...as nuvens de chuva já apontavam no horizonte e o grupo de aventureiros procurava algum lugar para se abrigar.” O som de vento e trovões ecoava, mas você já conhecia aquela aventura não é Izzy? Já havia ouvido algumas vezes aquele podcast de RPG e praticamente sabia tudo o que acontecia. Mas então, algo a surpreende. O trecho a seguir você nunca havia ouvido antes. “Enquanto o pequeno grupo se abrigava em um lugar quente, que lhes forneceria boa comida e bebida, o casal de nobres entrava na cova do diabo e teria suas almas devoradas pedaço a pedaço.” Para em seguida apenas voltar ao normal. “A chuva fazia barulho no telhado, mas nossos aventureiros estavam seguros e dormiam.” Talvez você queira parar e ouvir novamente esse trecho, ou talvez apenas pense que nunca tinha dado a devida atenção a ele, mas o fato é que se você pegar o celular e voltar, não vai ouvi-lo mais... Talvez tenha sido só uma interferência do sinal ruim que a cidade tem.

Mantenho um sorriso distraído, observando as pessoas, mais quietinha, depois de fazer meu pedido.

Algumas pessoas ali eram bem intimidantes.

E bonitas.

Me volto para Emily, respondendo com um sorriso discreto - Não, eu vim para uma vaga bem interessante no hospital. Estudo medicina em Boston...

É quando ouço aquela frase, o que faz meu olhar perder um pouco o foco.

Baixo o rosto, cerrando levemente o olhar... Ué? Eu não... Lembro dessa parte. Aperto com um pouquinho de firmeza o fone em meu ouvido, apanhando o celular e voltando alguns segundos, para ouvir novamente.

E... Como assim?!

Um arrepio corre meu corpo e eu arregalo um pouquinho os olhos.

Que merda de mente inquieta.

 
No fundo eu sei que aqueles dois vão se foder, e me divido entre:
 
Achar ótimo. FODAM-SE hahahaha. Quem mandou não me ouvir! E Lucas, quando estiver com terra na boca lembre-se, você quase me OUVIU.
 
E o outro lado diz.
 
Você devia ter tentando mais, devia ter seguido ele.
 
E eu?
 
Escolho tomar o café.
 
Enquanto escuto Alexander falar bem do restaurante, dou um sorriso para ele e ergo a xícara de café, sem ao menos deixar qualquer vestígio que acho tudo uma grande bosta.
 
A recaída na porta já passou, meu filho;
 
Emily então achava que todos nós eramos do ramo da educação, e agora é assim.
 
Eu fico quieta e não ganho a confiança de ninguém.
 
Eu falo e todo mundo vai achar que sou o Batman.
 
Suspiro fundo e espero as pessoas falar.
 
Deixe as pessoas falarem.
 
Elas sempre falam demais e eu posso não falar nada e usar a velha desculpa que não deu tempo.
Então a Pirralha 1 dizia que estudava medicina e veio pela vaga no hospital.
 
Que bom, vai ter alguém para costurar nossos órgãos quando precisarmos!
 
Ganhou ponto comigo Pirralha 1.
 
E no momento que ela está falando eu foco os olhos nela, afinal é assim que eu leio as pessoas.
 
Tomando café e sorrindo.
 
E noto o olhar dela se perdendo, mas deve ser alguma merda inútil de pirralhas. Mas ela baixa o rosto, cerra o olhar.
 
E eu posso não ver, mas eu quase consigo ler que ela sente alguma espécie de arrepio.
 
Ouviu algum a bosta bem grande.
 
Até esbugalhou os olhos cor de Maldivas.
 
- Tá tudo bem?
 
Pergunto, fechando um pouco o sorriso.
 
E la vem a maldita sensação que estou no lugar errado na hora certa.
 
Puta que pariu.

Que os esnobes sigam pra sua estrela Michelin, eu prefiro encher o bucho do que esvaziar o bolso e sair com fome com suas espumas sei lá do que. Depois das apresentações o grupo seguia num ritmo próprio, meio que uma adaptação silenciosa entre todos pra ninguém ficar muito afastado ou muito perto ou muito a frente ou muito atrás.

Seguia pelo meio da patota, meio calada, dando sinais afirmativos ou sorrisos quando falavam diretamente comigo, tirando isso ia prestando atenção no caminho, os olhos esquadrinhando a cidade, vendo os prédios desgastados e o caminho que fazíamos do hotel até o lugar. Afinal, se fosse bom, é onde iria fazer minhas refeições durante o período naquele lugar.

Ia do lado dos mais quietos, um pouco mais atrás. Cruzava o olhar vez ou outra com o Alexander, mas sem sorrisos ou muita demora, apenas erguia as sobrancelhas e continuava olhando o caminho. Bastava chegar na porta do lugar pra não conseguir segurar o sorriso, mas ele durou poucos segundos então quem viu, viu. O cheiro lembrava o lugar que eu comia com meus pais, aquela decoração nostalgica também, mas logo a parte nostalgica dava lugar a saudade e a um cenho levemente franzido.

- Boa noite, Nora. - Falava amigavelmente e seguia a moça e o grupo. Andava até a mesa e ia deixando cada um achar seu lugar e sentava, olha só... Ao lado da Mika. Olhava pro Alexander enquanto ele falava e balançava a cabeça concordando. - Prefiro barriga cheia e coração quentinho. - Era o que minha mãe sempre dizia quando íamos comer nos lugares a beira das estradas, mas era apenas por serem os mais baratos e o que ela podia pagar. A voz era baixa. Bem baixa. Parecia mais que eu tinha falado sozinha do que com alguém ali e depois de falar acabava apertando os lábios como se tivesse deixado escapar. Foda-se o que vão achar.

Izzy e Mika conversam e eu olho o cardápio. - Milkshake, morango, por favor. - Calma, não surtem porque não pedi um café ou algo saudável. Só queria algo que continuasse trazendo só o lado bom da nostalgia. Era o meu favorito quando criança. Ramo de educação? Eu só balançava a cabeça negando. - Saúde... Educação físca com foco em ginástica laboral. - Os olhos voltavam pro cardápio e a mudança na voz da Mika me fazia olhar pra Izzy e sua cara de medo. Mika já tinha perguntado então não ia encher a outra de perguntas, mas ficava de olho na Izzy.

- Não entendo como empresa que diz oferecer o Paraíso, ainda nos faz andar em ruas que parecem levar ao inferno... – Esta foi a primeira frase que Elizabeth lançou, porque sinceramente parecia estar em uma das piores ruas do Bronx em Nova York depois de um tornado ter passado ali. Sujeira mesclada com falta de cuidado, pichações, prédios que pareciam velar corpos abaixo do esgoto.

Salem era diferente sim, gostava disso, da sensação de estar em casa.

E não sentia isso naquele lugar.

Se aproximando do Restaurante, via dois rapazes descarregando caixas de papelão, se forçar a visão consegue ver do que são? Usam furgões para carregar coisas, caixas, corpos, material radioativo, enfim, né.

O único outro veiculo parado no local era um conversível vermelho que já deve ter tido seus dias de glória, bem se fosse dela, restauraria, e ele estaria maravilhoso, gosta de carros antigos, tem imponência e um ar de luxo, se destacam, e bem, é vermelho.

O primeiro cheiro que decifrou naquele amontoado de aromas, foi do café.

Se tem algo que ela aprecia é café.

Depois o da fritura que não era velha, caso contrário ela teria torcido o nariz, era um cheiro ruim e indicava um lugar desagradável para comer.

O açúcar também, ficou curiosa logo pelas sobremesas, o que eles ofereciam será?

Não julgaria o restaurante pela aparência, foram postos em um hotel decadente, e bem recebidos, foi um bom equilíbrio, se o chuveiro esquentasse, estaria feliz. Mas, sim o lugar precisava de um incentivo financeiro, design e redecoração. Elizabeth mexe com a arte, então sim os olhos dela foram devorando o lugar, tanto que não sentou de cara com os colegas, foi andando aqui e ali vendo que potencial o lugar tinha.

Gosta de mesas redondas e de madeira, em mesas assim todos se igualam, como na Távola.
Sofás e não cadeiras, outro ponto de conforto, torna o lugar caseiro, por que não dizer familiar, remetendo a Família, lar?

Mesmo que o conceito família seja abstrato, afinal nem todas prestam e te fazem bem.

Acrescentaria alguns posteres de filmes mais novos, viu exemplares de clássicos, muitos nas paredes.
Nora se apresentou ao grupo, ela ouviu o cumprimento do mulher antes, e lhe disse boa noite, formal, e foi vasculhar o lugar, mas quando todos estavam sentados a mesa, ela foi com eles e chegou quando a última pessoa fez seu pedido.

- Sra. Nora, quero um café, mas com açúcar, por favor. – Sentou do lado de uma das meninas, ficaria na ponta do sofá, não? Já que chegou por último.

Pegou um dos cardápios, e correu os olhos, desconsiderando falar algo do estado do pobre cardápio, não seria descortês.

- Antes que eu escolha o prato principal que vai forrar meu estomago, me diz se você tem torta de limão, para a sobremesa, por favor... – Foi um pedido dito com uma voz diferente, foi simpática mesmo, e os olhos atentos a mulher.

Por segundos ela olhou para o homem careca sentado na única mesa ocupada do lugar. Mestre dos magos é você?

- Os outros vão comer aqueles pratos maravilhosos, decorados e minúsculos que custam uma fortuna, meu caro Alexander! Enquanto isso, a gente vai se deliciar aqui. – Disse aquilo e riu, desviando os olhos de Nora, e voltando-se para as garotas.

Emily enfim falava mais, e alguns se apresentavam junto de suas “funções”.

- Não, não, eu sou artista, trabalho com design, fotografia, desenhos, bruxaria, nas horas vagas, mas não sacrifico nada, relaxem... Suponho que tenhamos pares de concorrência, é provável que cada um de nós seja bom em algum ramo especifico. Jovens talentos. – Falou depois de ouvir as garotas comentarem sobre seus ramos.

Izzy se incomodou com alguma coisa, porque mudou de leve seu modo de se portar.

- Algum demônio sussurrou em seu ouvido o que, Izzy? – Fala com um ar de provocação, pra descontrair mesmo. O café já veio? Se veio, ela estaria tomando. E sim, Elizabeth perguntou, ao contrário de todos que podem ter notado o desconforto da colega.